sexta-feira, 26 de junho de 2009

CONHECENDO A HISTÓRIA DA VERA CRUZ

VERA CRUZ

UMA SAGA DO CINEMA BRASILEIRO

 

De tempos em tempos, ou em todas as retomadas do cinema nacional, sempre o nome Vera Cruz é lembrado, e mostras e mais mostras são realizadas, debates e críticas são escritos, mas sempre contendo erros de informação na origem. Por algum motivo mágico, a imprensa sempre afirma que a Vera Cruz, ou na realidade, a Cinematográfica Vera Cruz Ltda., empresa fundada por Franco Zampari, faliu, ou mesmo fechou. Verdade? Não! 

Poucos sabem e muitos não querem saber ....mas na realidade a Vera Cruz nunca faliu, ou mesmo teve algum título protestado. A empresa se mantém ainda hoje em funcionamento tendo produzido até quase fins dos anos 70. Foram quatro fases bens distintas e cerca de 46 filmes realizados com recursos próprios ou em co-produção. Após isso, a empresa se manteve na ativa, porém apenas como distribuidora dos títulos de sua propriedade. Hoje, apenas graças ao trabalho realizado pelos irmãos Walter Hugo e William Khouri (sabedores que o Banco do Estado de São Paulo iria proceder a liquidação extra-judicial da mesma, contactaram os acionistas menores e, numa operação insana envolvendo pessoas de vários países, conseguiram adquirir as ações remanescentes, impedindo tal liquidação) é que podemos desfrutar desse tesouro inestimável que é o acervo Vera Cruz. Mas, afinal que tesouro é este legado pela Vera Cruz? Não é difícil listar...Os filmes da Vera Cruz trouxeram um inegável avanço na qualidade técnica do cinema brasileiro. Discussão de formatos, ou narrativa, ou linguagem à parte, a qualidade trazida pelos profissionais europeus para nosso cinema mudou totalmente nossa produção, fazendo nosso cinema saltar vários níveis de qualidade acima do que se via até então. Esses mesmos técnicos criariam na Vera Cruz uma verdadeira escola de cinema, formando toda uma geração de técnicos brasileiros que iriam trabalhar e influenciar toda nossa publicidade e televisão...até hoje! 

Que mais? É claro que o cinema de autor viria a progressivamente afastar o interesse da mídia pelo cinema de gênero, mas a Vera Cruz no seu tempo foi, sem dúvida, uma fábrica de filmes que procurou atender a todos os gostos. Dramas, comédias, policiais, romances históricos...temos de considerar que a Vera Cruz ainda legou para nosso cinema dois subgêneros, que por muito tempo foram alimentados por filmes que ainda hoje são sucessos. Os filmes de Cangaço, que mesmo o Cinema Novo iria beber na fonte, e os filmes chamados “Caipiras”, genialmente criados por Abílio Pereira de Almeida como veículos para o fantástico Mazzaropi. Dizem inclusive que esses filmes eram a resposta de São Paulo à Chanchada Carioca. 

Ao contrário do que foi alardeado pelo Cinema Novo, na Vera Cruz esse gênero retratava a preocupação com temas populares e que representavam de certa forma um momento que era vivido pela sociedade brasileira, onde a industrialização paulista iniciava a migração do homem do campo para a cidade. Ou seja, essa diversidade notável de temas e gêneros que percorre os dezoito longas-metragens já deveria ser suficiente para descartar qualquer simplificação e alguns julgamentos apressados. Os atores então são um capítulo à parte. Provenientes do que de melhor tínhamos em nosso teatro, ou seja o famoso TBC-Teatro Brasileiro de Comédia, também projeto de Zampari, trazidos do Rio de Janeiro ou formados nos próprios estúdios, a Vera Cruz legou para nosso cinema e televisão valores que ainda hoje são estrelas...Paulo Autran, John Herbert, Renato Consorte, Tonia Carrero, Anselmo Duarte, Eliane Lage, Ruth de Souza, Cleide Yáconis, ...enfim uma lista tão grande que seria inviável colocar aqui. Apesar de todos os grandes problemas que a Vera Cruz sofreu, seu último grande legado é um triste legado...Além da inexperiência, dos problemas com a própria produção, o principal problema que a afligiu infelizmente é um problema que ainda aflige o cinema brasileiro...cuidamos da produção, atingimos padrões de qualidade internacional mas, e sempre existe um mas, não cuidamos da distribuição.... A Vera Cruz foi e sempre será um sinal de alerta a qualquer tentativa de consolidar uma estrutura de produção cinematográfica brasileira. Hoje, temos o dever de preservar esse patrimônio do cinema paulista e brasileiro. Para isso toda a comunidade cultural e os organismos oficiais devem se unir nessa empreitada, permitindo chegar ao grande público que a conhece e a toda uma nova geração que não pode desfutar de suas obras, uma viagem entre suas imagens, músicas, memórias e paixão daqueles que construíram essa saga de nosso cinema.

A Vera Cruz vive e agora vai voltar a produzir, é esperar para ver!

 Sérgio Martinelli

Produtor e Curador do Acervo